"Me fale um único livro clássico."
"Não posso. Sou incapaz de pensar na escrita de maneira singular. Ler um clássico deve ser melhor do que não lê-lo, suponho."
Ela, que já havia feito a mesma pergunta a outros tantos, ficara fascinada com a resposta inédita. As mulheres latinas têm dessas manias peculiares de admirar o intelecto apurado. Era um homem inteligente e Ela sempre ficava feliz quando encontrava homens inteligentes e seguros, e não aqueles outros que não a olham de frente e têm a cretina mentalidade oculta de macho-brasileiro.
Estavam sozinhos, com pressa, com calor. Se amaram por muito e muito tempo e ela sentiu todos os prazeres de todos os sentidos e, neste espaço de tempo, esteve presente e entregue ao seu amante ideal.
As horas passaram e todo o prazer carnal fez-se cansaço, fumaça e HBO. Comentavam esporadicamente aleatoriedades e comentavam as atuações das atrizes gêmeas, trigêmeas, quadrigêmeas, iguais. Um silêncio premedita o realismo tenebroso.
"Sabe quando você me perguntou sobre o livro?"
"Hm..."
"Pois então... Se tivesse me perguntado sobre games..."
Seu corpo suou frio e ela atentou-se ao que viria depois.
"Eu escolheria Winning Eleven do Play três!"
Ela levantou da cama nua, e foi toda atordoada em direção à cozinha. Apanhou um copo d'água e relembrou dolorosamente da noite de amor que, a essas alturas, nem havia sido tão boa assim.
Postou-se em frente à janela da sala com o copo na mão e observou a estante. Umas garrafas de bebidas estranhas, um porta-retratos com fotos de pessoas comuns, uma caneca de Corinthians, algumas taças simbólicas, elefantinhos, poeira e, estrategicamente posicionado, atrás de algumas quiquilharias, ela avista um livro solitário e desconsolado. Sorriu por dentro e aproximou-se esperançosa. Antes de que pudesse chegar a tocá-lo, leu perfeitamente, sob a luz do quarto, intrometida, que iluminava parcialmente à sala: "BRIDA - Paulo Coelho".
Já era tarde.
sexta-feira, 14 de novembro de 2008
domingo, 15 de junho de 2008
O dia de Marcela
A coisa mais triste na vida é concluir que amor é coisa de quem tem tempo.
Acordar e lavar o rosto - a água gelada nos traz novamente para o chão quando os resquícios de sonho parecem em se misturar com as cores da manhã -, um café preto sem açúcar, uma olhada rápida no e medrosa no espelho, bate a porta. Sai à rua e começa o dia.
Fazia frio. Marcela dirigia rumo ao seu escritório na Vila Madalena e pensava as coisas que pensamos quando saímos às ruas de São Paulo pela manhã às oito horas da madrugada, numa segunda-feira e a Paulista e seus zilhões de veículos poluidores - humanos ou não - socializam e brindam à desgraceira geral que a modernidade trouxe à terra da garoa.
Ela sentia vontade de tomar uísque puro e sem gelo nessas ocasiões (desgraceiras gerais, oitos-horas-da-madrugada etc.), aquelas malditas vontades não consolidadas, sabe? Pensava-se ousada e bonita tomando uísque puro pela manhã... O trânsito andou dois metros, segue o jogo.
São Paulo é o lugar mais fantástico e tenebroso que já conhecera. Milhões de pessoas simultaneamente se preocupam em fazer dinheiro e em andar o mais rápido possível - isso traz sérias consequências à cadência da cidade, mas isso é assunto pra outra prosa.
Ela chega, enfim, ao escritório. Marcela era advogada bem sucedida.
Entre trânsito e trabalho, gastava todas as horas úteis dos seus dias e o seu casamento já tornara-se mera formalidade. Possuía opiniões particulares sobre a função do amor na vida dos seres humanos. Experimentara mais sofrimentos com as pessoas que amara do que com as que odiara e julgava custoso delimitar certamente a linha que separa o amor dos demais sentimentos de conveniência. Na sua opinião, o casamento era conveniente e era menos trabalhoso contentar-se com as pragmáticas matrimoniais.
Voltemos ao grande dia de Marcela.
Estava perdida nos papéis e mergulhada nas mesmas leis gastas de sempre (a rotina de um advogado é coisa que inspira tristeza), quando adentrou o seu escritório o advogado de uma das partes envolvidas num caso no qual ela trabalhava há bastante tempo.
- Doutora Marcela?
- Sim?
- Sou Doutor Gabriel, advogado do João de Assis. Tem um minuto?
- Sim. Acho que sim.
Gabriel era alto e tinha os olhos medrosos, como as mãos, os pés, como tudo. Tinha a voz calma e pronunciava pausadamente as frases, demostrando segurança e firmeza nos argumentos. Os argumentos eram medrosos também.
Marcela o ouvia falar e prestava atenção nas sensíveis formas da sua boca e nos movimentos nervosos de suas mãos. Esteve fascinada durante esse espaço pequeníssimo de tempo que findou-se com um convite singelo para um café depois do expediente.
Conversaram calmamente durante o café e se olharam com quele mesmo fascínio interminável. Nestes minutos, Marcela sentiu o inédito: o frio na barriga de um romance apequenado pela simplicidade do café, mas capaz de fazê-la pensar sobre seus caminhos, suas escolhas e, especialmente, sobre seus verdadeiros desejos. Na hora de ir embora, Gabriel passou as mãos pelos cabelos de Marcela e disse que gostaria de vê-la no dia seguinte pela manhã.
Chegou em casa e tomou um banho demorado, como quem revive cada segundo do dia com todos os sentimentos. Deitou-se nua, insinuou-se para seu marido, e, mecanicamente, fez um sexo demorado, com a força calculada, os sussurros calculados e com os gestos medrosos que aprendera num café supostamente despretensioso.
Quando seu companheiro acordou, Marcela já havia saído. Ele olhou no calendário e repensou o dia anterior.
Guardou aquela data, aqueles horários e os gritos simulados da mulher que jamais tornaria a ver.
Acordar e lavar o rosto - a água gelada nos traz novamente para o chão quando os resquícios de sonho parecem em se misturar com as cores da manhã -, um café preto sem açúcar, uma olhada rápida no e medrosa no espelho, bate a porta. Sai à rua e começa o dia.
Fazia frio. Marcela dirigia rumo ao seu escritório na Vila Madalena e pensava as coisas que pensamos quando saímos às ruas de São Paulo pela manhã às oito horas da madrugada, numa segunda-feira e a Paulista e seus zilhões de veículos poluidores - humanos ou não - socializam e brindam à desgraceira geral que a modernidade trouxe à terra da garoa.
Ela sentia vontade de tomar uísque puro e sem gelo nessas ocasiões (desgraceiras gerais, oitos-horas-da-madrugada etc.), aquelas malditas vontades não consolidadas, sabe? Pensava-se ousada e bonita tomando uísque puro pela manhã... O trânsito andou dois metros, segue o jogo.
São Paulo é o lugar mais fantástico e tenebroso que já conhecera. Milhões de pessoas simultaneamente se preocupam em fazer dinheiro e em andar o mais rápido possível - isso traz sérias consequências à cadência da cidade, mas isso é assunto pra outra prosa.
Ela chega, enfim, ao escritório. Marcela era advogada bem sucedida.
Entre trânsito e trabalho, gastava todas as horas úteis dos seus dias e o seu casamento já tornara-se mera formalidade. Possuía opiniões particulares sobre a função do amor na vida dos seres humanos. Experimentara mais sofrimentos com as pessoas que amara do que com as que odiara e julgava custoso delimitar certamente a linha que separa o amor dos demais sentimentos de conveniência. Na sua opinião, o casamento era conveniente e era menos trabalhoso contentar-se com as pragmáticas matrimoniais.
Voltemos ao grande dia de Marcela.
Estava perdida nos papéis e mergulhada nas mesmas leis gastas de sempre (a rotina de um advogado é coisa que inspira tristeza), quando adentrou o seu escritório o advogado de uma das partes envolvidas num caso no qual ela trabalhava há bastante tempo.
- Doutora Marcela?
- Sim?
- Sou Doutor Gabriel, advogado do João de Assis. Tem um minuto?
- Sim. Acho que sim.
Gabriel era alto e tinha os olhos medrosos, como as mãos, os pés, como tudo. Tinha a voz calma e pronunciava pausadamente as frases, demostrando segurança e firmeza nos argumentos. Os argumentos eram medrosos também.
Marcela o ouvia falar e prestava atenção nas sensíveis formas da sua boca e nos movimentos nervosos de suas mãos. Esteve fascinada durante esse espaço pequeníssimo de tempo que findou-se com um convite singelo para um café depois do expediente.
Conversaram calmamente durante o café e se olharam com quele mesmo fascínio interminável. Nestes minutos, Marcela sentiu o inédito: o frio na barriga de um romance apequenado pela simplicidade do café, mas capaz de fazê-la pensar sobre seus caminhos, suas escolhas e, especialmente, sobre seus verdadeiros desejos. Na hora de ir embora, Gabriel passou as mãos pelos cabelos de Marcela e disse que gostaria de vê-la no dia seguinte pela manhã.
Chegou em casa e tomou um banho demorado, como quem revive cada segundo do dia com todos os sentimentos. Deitou-se nua, insinuou-se para seu marido, e, mecanicamente, fez um sexo demorado, com a força calculada, os sussurros calculados e com os gestos medrosos que aprendera num café supostamente despretensioso.
Quando seu companheiro acordou, Marcela já havia saído. Ele olhou no calendário e repensou o dia anterior.
Guardou aquela data, aqueles horários e os gritos simulados da mulher que jamais tornaria a ver.
segunda-feira, 26 de novembro de 2007
Onde já se viu?
Ela entra feliz na sala.
Ele, folheando o jornal e ouvindo qualquer notícia na tevê.
- Amor, você notou alguma coisa diferente em mim?
- Ah, sim! Ficou bom seu cabelo.
- Não, amor. Não fiz nada no cabelo.
- Ah, não? Então ele está a cada dia mais bonito.
- Não seja dissimulado. Odeio quando faz isso.
- Isso o quê?
- Tá vendo? Isso!
- Eugênia, me deixa ler, querida.
- Qualquer jornalzinho é mais importante que a sua esposa?
- Eugênia, não estou a ler 'qualquer jornalzinho'.
- Cláudio, você não nota mais minhas mudanças.
- Mas querida...
- “Mas querida” coisa nenhuma.
- Eu te amo de qualquer maneira. Não importa o que faça nas unhas, meu docinho.
- Eu não fiz nada nas unhas!
- Não?
- Aposto que arranjou alguma vagabundazinha dessas de rua para se importar. Eu gastei horas do meu dia para te impressionar e você não está nem aí.
- Que vagabundazinha? Está falando da Odete? Odete é mãe de família e é uma excelente profissional. Não fale assim dela.
- Ah sim! Uh! É uma excelente profissional. Bem melhor do que a Dona Maria, de 64 anos que você mandou embora mês passado.
- A Dona Maria já não dava conta mais do serviço. Quando a idade chega é fogo.
- A Odete dá conta do serviço direitinho, hãn?
- A Odete é bem preparada, querida! Dá conta do recado. E olha que o pessoal lá na empresa abusa, hein.
- Aposto que você nota as mudanças da "Odetinha"
- Eugênia, ela não muda os cabelos. Acho até que nunca os pintou. Aquele tom castanho só pode ser natural.
- Cláudio, eu quero o divórcio.
- O quê? Está maluca?
- Falo sério.
- Eugênia, deixa de besteira. Não pode terminar um casamento de dez anos por causa de qualquer coisa que mudou na aparência.
- Qualquer coisa? Cláudio! Meça suas palavras. Eu posso e vou.
- Não vai não! Eu não permitirei. Meu amor por você é muito grande.
- Não me venha com essa histórinha. Seus créditos comigo acabaram. Por que acha que tenho te ligado a cobrar?
- Você é a mulher da minha vida! Quero envelhecer ao seu lado. Nada nessa vida me faria desistir do nosso amor.
- Cláudio! Você nem se deu o trabalho de tirar o focinho desse jornal e me olhar.
- Tá vendo como você está mudando de assunto? Está com ciúmes do jornal. Me deixa ver...
- Ah, sim. Finalmente, Cláudio.
- EUGÊEEENIA! Tire essa camisa do Flamengo A-GO-RA. Está pintada feito uma palhaça!
- Amor...
- Eugênia, quem quer o divórcio sou eu!
- Amorzinho, não faça isso! Eu quis fazer uma surpresa.
- Valei-me! Amanhã de manhã iremos ao escritório do Ferraz, ele tratará da papelada. Com que tipo de mulher me casei?
- Cláudio, você está louco? Vai largar sua esposa por causa de uma camisa de futebol?
- Eugênia, a Odete jamais usaria calcinhas do Flamengo!
- Quem está falando de calcinhas, Cláudio?
- Não quero mais conversa contigo. Já resolvemos o que tínhamos a resolver. Pegue sua camisa do Flamengo e vá para a casa da sua mãe, Eugênia. Nosso casamento acabou aqui. E ponto.
Onde já se viu?
Ele, folheando o jornal e ouvindo qualquer notícia na tevê.
- Amor, você notou alguma coisa diferente em mim?
- Ah, sim! Ficou bom seu cabelo.
- Não, amor. Não fiz nada no cabelo.
- Ah, não? Então ele está a cada dia mais bonito.
- Não seja dissimulado. Odeio quando faz isso.
- Isso o quê?
- Tá vendo? Isso!
- Eugênia, me deixa ler, querida.
- Qualquer jornalzinho é mais importante que a sua esposa?
- Eugênia, não estou a ler 'qualquer jornalzinho'.
- Cláudio, você não nota mais minhas mudanças.
- Mas querida...
- “Mas querida” coisa nenhuma.
- Eu te amo de qualquer maneira. Não importa o que faça nas unhas, meu docinho.
- Eu não fiz nada nas unhas!
- Não?
- Aposto que arranjou alguma vagabundazinha dessas de rua para se importar. Eu gastei horas do meu dia para te impressionar e você não está nem aí.
- Que vagabundazinha? Está falando da Odete? Odete é mãe de família e é uma excelente profissional. Não fale assim dela.
- Ah sim! Uh! É uma excelente profissional. Bem melhor do que a Dona Maria, de 64 anos que você mandou embora mês passado.
- A Dona Maria já não dava conta mais do serviço. Quando a idade chega é fogo.
- A Odete dá conta do serviço direitinho, hãn?
- A Odete é bem preparada, querida! Dá conta do recado. E olha que o pessoal lá na empresa abusa, hein.
- Aposto que você nota as mudanças da "Odetinha"
- Eugênia, ela não muda os cabelos. Acho até que nunca os pintou. Aquele tom castanho só pode ser natural.
- Cláudio, eu quero o divórcio.
- O quê? Está maluca?
- Falo sério.
- Eugênia, deixa de besteira. Não pode terminar um casamento de dez anos por causa de qualquer coisa que mudou na aparência.
- Qualquer coisa? Cláudio! Meça suas palavras. Eu posso e vou.
- Não vai não! Eu não permitirei. Meu amor por você é muito grande.
- Não me venha com essa histórinha. Seus créditos comigo acabaram. Por que acha que tenho te ligado a cobrar?
- Você é a mulher da minha vida! Quero envelhecer ao seu lado. Nada nessa vida me faria desistir do nosso amor.
- Cláudio! Você nem se deu o trabalho de tirar o focinho desse jornal e me olhar.
- Tá vendo como você está mudando de assunto? Está com ciúmes do jornal. Me deixa ver...
- Ah, sim. Finalmente, Cláudio.
- EUGÊEEENIA! Tire essa camisa do Flamengo A-GO-RA. Está pintada feito uma palhaça!
- Amor...
- Eugênia, quem quer o divórcio sou eu!
- Amorzinho, não faça isso! Eu quis fazer uma surpresa.
- Valei-me! Amanhã de manhã iremos ao escritório do Ferraz, ele tratará da papelada. Com que tipo de mulher me casei?
- Cláudio, você está louco? Vai largar sua esposa por causa de uma camisa de futebol?
- Eugênia, a Odete jamais usaria calcinhas do Flamengo!
- Quem está falando de calcinhas, Cláudio?
- Não quero mais conversa contigo. Já resolvemos o que tínhamos a resolver. Pegue sua camisa do Flamengo e vá para a casa da sua mãe, Eugênia. Nosso casamento acabou aqui. E ponto.
Onde já se viu?
quinta-feira, 8 de novembro de 2007
A dona da padaria
“Ela é a dona da padaria”. A qualquer pessoa que perguntassem, ali no bairro, a resposta seria invariavelmente essa. Diriam que ela não vende fiado, também.
Deve ser triste. Muitas pessoas lutam anos para ter um reconhecimento digno de toda sua batalha. Ela era conhecida como a dona da padaria - e nunca não se queixava disso. Talvez pelo fato de estar semi-viva ou semi-morta – na verdade, isso não faz a menor diferença pra pauta de agora. Os dias de Cândida eram todos iguais: acorda, fuma, trabalha, dorme. Tossia nos intervalos, aquela tosse seca, repetitiva, que dá desespero e a gente acha que a pessoa vai morrer.
Sua jornada era mesmo sofrida. Acordava pontualmente às quatro da matina pra ir àquela padaria - a única de Santa Filomena, uma cidade minúscula e invisível do Piauí -, aturar o marasmo da própria existência e ainda intercalar isso com os malditos cigarros e as incômodas tosses.
Quem pode ter uma vida mais ingrata?
Seus dias eram intermináveis. Ela esperava a cada segundo. Ela só esperava.
Madalena fingia companhia, e Cândida, fingia acreditar na companhia da filha. Madalena era prostituta na beira da estrada. Cândida sabia.
Por vezes, sentiu inveja. A promiscuidade lhe parecia – e era, efetivamente – mais interessante do que a padaria maldito.
Madalena pesava a quantidade de vida existente em Cândida e muito rápido, antes de você acabar de ler essa história, ou do cliente mais jovem de Madalena gozar e ir embora, ela concluiu que Cândida quase não existia. Não faria diferença se lhe tirassem o resquício miserável de vida que aparentemente lhe sobrara.
Ela pensou em tudo. Nada muito metódico, e sem requintes de crueldade, evidentemente. Matar a mãe lhe parecia um favor - feito a ambas as partes -, não merecia ser apedrejada por isso. Talvez por algum de seus adultérios, noutros tempos. Talvez.
Pois bem.
Cândida amanheceu entupida de veneno. Não foi tragédia, nem ‘acontecimento’ foi. Dois ou três notaram sua ausência e teceram algum tipo de comentário cabível à situação.
Os anos se passaram.
Madalena passou o resto dos seus dias debruçada naquele mesmo balcão. Madalena agora era a dona da padaria. Sentiu na pele a espera de Cândida e, no seu caso, ninguém a notava o suficiente a ponto de arrancar-lhe a vida.
Penso que a vida foi mais cruel com Madalena. Seus dias eram penosos. Ela sentiu o gosto adocicado da inveja, alimentada por algumas devassas que ironicamente se embebedavam no mesmo balcão de padaria, quiçá planejando qualquer homicídio desses sem culpa.
quarta-feira, 7 de novembro de 2007
Homens, cachorros e manias.
Uma coisa é engraçada. Longe de mim, questionar qualquer superioridade, por parte de qualquer sexo. Possuo opiniões bastantes embasadas e solidificadas por fatos e situações cotidianas a respeito disso. As mulheres são superiores. Ponto.
Os homens têm manias curiosas. Além de todos resquícios de sua desorganização que emanam naturalmente de suas ilustres toalhas molhadas em cima dos nossos lençóis bem cuidados, o fato de conversarem se xingando, por exemplo, é uma coisa altamente questionável.
É uma boa pauta para as boas feministas que, ainda nos dias de hoje, no ápice da modernidade e dos gritos de igualdade entre os sexos, ainda sentem prazer em ver ruir o pouco que resta da dignidade masculina. Pode uma coisa dessas?
Eles mantêm diálogos abastecidos total ou quase totalmente de palavrões e palavras de baixo calão. Ainda há dos tipos mais ousados, que o fazem mesmo em diálogos com suas esposas, namoradas ou qualquer ser desses que possuem nível considerável de coerência e lógica – ressalva feita aos cachorros, estes não têm culpa, nem lhes é merecido tal comparação num conto feito às pressas, às cinco e vinte da matina. Coitados dos cachorros! Ainda os nomeiam “melhor amigo”. Acho injusto com eles. Não lhes é concedido direito de escolha e os fazem aturar aquele discurso típico de vítima de adultério pós-meio-litro-de-vodca.
Eu falava sobre diálogos impróprios típicos do sexo masculino, não?
- Alô? Ô, grande João! Por que não me ligaste mais, veado? Eu sabia que viria com uma desculpa filha-da-puta desta, João. Como está aquela porra do seu carro? Conseguiu consertar aquela merda? Puta-que-o-pariu, hein. Quanto tempo! Apareça por aqui, sim?
Desliga o telefone e começa a sessão em casa.
- Joana, não imagina quem me ligou! O João! Há anos não nos faz uma visita e aquele veado ainda teve coragem de vir com uma desculpa dessas filhas-da-puta. A porra do seu carro continua na mesma, acredita?
Valei-me!
O que ocorre com o sexo feminino é o oposto. Se cobrem de elogios, beirando à falsidade. “querida, meu bem, amorzinho”. Eu acho mais digno e menos agressivo. O fato de se tratarem bem, não quer dizer que sejam na maior parte das vezes amigas – até porque amizade entre mulheres é um fator discutível. Quer dizer apenas que o respeito ali existe.
É questão de ética. Nesse quesito, mais uma vez, as mulheres tripudiam sobre os seres com nível inferior de prudência e etiqueta – ressalva feita mais uma vez aos cachorros, que já foram citados mais do que mereciam aqui, nesse texto.
A propósito, as mulheres são as melhores amigas desses bichos, partindo do princípio bukowiskiano de que amor e conveniência andam lado a lado. Esse ítem é incontestável. Afinal, são elas quem lhes alimentam, trocam sua água e lhes dão carinho. Mas o que isso importa? Isso é tão insignificante quanto as cuecas espalhadas pela casa.
Minhas palavras surtirão pouco efeito diante da teimosia masculina, da mesma forma que a intertextualidade, surtirá efeito algum diante da excelência dos fatos descritos aqui nesse texto plausível e modesto.
Os homens têm manias curiosas. Além de todos resquícios de sua desorganização que emanam naturalmente de suas ilustres toalhas molhadas em cima dos nossos lençóis bem cuidados, o fato de conversarem se xingando, por exemplo, é uma coisa altamente questionável.
É uma boa pauta para as boas feministas que, ainda nos dias de hoje, no ápice da modernidade e dos gritos de igualdade entre os sexos, ainda sentem prazer em ver ruir o pouco que resta da dignidade masculina. Pode uma coisa dessas?
Eles mantêm diálogos abastecidos total ou quase totalmente de palavrões e palavras de baixo calão. Ainda há dos tipos mais ousados, que o fazem mesmo em diálogos com suas esposas, namoradas ou qualquer ser desses que possuem nível considerável de coerência e lógica – ressalva feita aos cachorros, estes não têm culpa, nem lhes é merecido tal comparação num conto feito às pressas, às cinco e vinte da matina. Coitados dos cachorros! Ainda os nomeiam “melhor amigo”. Acho injusto com eles. Não lhes é concedido direito de escolha e os fazem aturar aquele discurso típico de vítima de adultério pós-meio-litro-de-vodca.
Eu falava sobre diálogos impróprios típicos do sexo masculino, não?
- Alô? Ô, grande João! Por que não me ligaste mais, veado? Eu sabia que viria com uma desculpa filha-da-puta desta, João. Como está aquela porra do seu carro? Conseguiu consertar aquela merda? Puta-que-o-pariu, hein. Quanto tempo! Apareça por aqui, sim?
Desliga o telefone e começa a sessão em casa.
- Joana, não imagina quem me ligou! O João! Há anos não nos faz uma visita e aquele veado ainda teve coragem de vir com uma desculpa dessas filhas-da-puta. A porra do seu carro continua na mesma, acredita?
Valei-me!
O que ocorre com o sexo feminino é o oposto. Se cobrem de elogios, beirando à falsidade. “querida, meu bem, amorzinho”. Eu acho mais digno e menos agressivo. O fato de se tratarem bem, não quer dizer que sejam na maior parte das vezes amigas – até porque amizade entre mulheres é um fator discutível. Quer dizer apenas que o respeito ali existe.
É questão de ética. Nesse quesito, mais uma vez, as mulheres tripudiam sobre os seres com nível inferior de prudência e etiqueta – ressalva feita mais uma vez aos cachorros, que já foram citados mais do que mereciam aqui, nesse texto.
A propósito, as mulheres são as melhores amigas desses bichos, partindo do princípio bukowiskiano de que amor e conveniência andam lado a lado. Esse ítem é incontestável. Afinal, são elas quem lhes alimentam, trocam sua água e lhes dão carinho. Mas o que isso importa? Isso é tão insignificante quanto as cuecas espalhadas pela casa.
Minhas palavras surtirão pouco efeito diante da teimosia masculina, da mesma forma que a intertextualidade, surtirá efeito algum diante da excelência dos fatos descritos aqui nesse texto plausível e modesto.
terça-feira, 6 de novembro de 2007
As borboletas
Hoje minha mãe me acordou de um jeito não muito agradável.
Dotada ‘daquela’ sutileza, semelhante à de um elefante, Dona Marta puxou meu edredom, abriu a janela, estampou um sorriso digno de quem não se importa em acordar a filha às nove horas da madrugada - acreditem, ela não se importava mesmo -, e disse, animadamente: - Bárbara, te veste e te penteia. Faz sol lá fora e preciso de pães e canela.
É. Meu dia começou assim. Triste.
As mães têm umas manias estranhas. O prazer em me acordar àquela hora era coisa estampada em seu semblante. Ela não se importava com os pães e a canela. Mas além do prazer em me acordar, ainda tinha o prazer em me ver caminhar arduamente os cinqüenta metros intermináveis da minha casa à vendinha da dona benta.
Desci para tomar café da manhã. O Bobe (já devo ter nomeado algum outro cachorro de alguma outra crônica assim. Abstraiam. Ser repetitiva é uma característica) ao me ver já começou a abanar aquele rabo. Ô bicho interesseiro. É evidente que minha mãe fez aquela meleca com ovos mais uma vez para eu comer. É evidente também, que mais uma vez a meleca foi parar sem querer no prato do Bóbe. Aquele bicho interesseiro.
Eu enrolei minha mãe quanto aos pães e à canela e quanto mais alguma coisa que ela deve ter pedido. Coitada.
Fui para a escola.
Eu não sabia se o veria hoje. Sabe aquela sensação típica que revira seu estômago e faz você sentir que borboletas estão a voar lá dentro? Pois é. Alguns chamam de ansiedade, outros de dor de barriga, e ainda há um terceiro grupo – no qual a minha mãe não só está inclusa, como o deve ter fundado – que tem a mania de dizer que isso é frescura para faltar à aula. De fato foi, por vezes. O que não vem ao caso e nem diminui minha implicância em reclamar das manias estranhas das mães. Eu já falei sobre isso?
Eu sempre preferi acreditar que são borboletas atrevidas. Costumam aparecer em momentos que esperamos há séculos, estes, espremidos nos 10 segundos daquele "bom dia", ou até mesmo daquele "alô", que quase sempre nos faz desligar o telefone.
Enfim, eu estava ansiosa, ou com dor de barriga, chamem de qualquer coisa. O fato é que eu não estava a fingir para faltar à aula. Eu o veria naquela tarde. Era a coisa mais importante.
Hora do intervalo, correria, gritaria, etc. Eu estava tensa. Ele estava tão perto. As borboletas pareciam voar com muito mais intensidade. Ele estava vindo em minha direção e...
-Oi, Bárbara. Tudo bem?
Não saiu nada, as borboletas me atrapalharam e eu sai correndo para o banheiro.
Dor de barriga, borboletas ou o quê?
O banheiro serviu para esconder qualquer lágrima que ameaçou cair e eu voltei para casa pensando.
Eu nem conseguiria olhar para o Rafael novamente. Nem liguei para o Bobe interesseiro quando cheguei em casa. Ele certamente aguardava sua cota diária do meu jantar. Outra meleca que envolvia qualquer coisa com ovos.
À noite nunca fazia silêncio - zona norte, Rio de Janeiro, já sabem o resto -, mas naquela noite fez. Todas as coisas do universo conspiravam a favor da minha melancolia. Eu estraguei tudo, mas adormeci sem dificuldades. Quis aproveitar o silêncio. Naquela noite ele tinha um gosto especial, sem tempero de balas e as borboletas me esqueceram durante esses minutos eternos.
As coisas continuaram iguais. O Bobe interesseiro, o despertador ambulante denominado “Dona Marta”, e as borboletas que continuam a voar aqui dentro e ainda me servem de desculpa para deixar a escola para outro dia mais alegre.
Dotada ‘daquela’ sutileza, semelhante à de um elefante, Dona Marta puxou meu edredom, abriu a janela, estampou um sorriso digno de quem não se importa em acordar a filha às nove horas da madrugada - acreditem, ela não se importava mesmo -, e disse, animadamente: - Bárbara, te veste e te penteia. Faz sol lá fora e preciso de pães e canela.
É. Meu dia começou assim. Triste.
As mães têm umas manias estranhas. O prazer em me acordar àquela hora era coisa estampada em seu semblante. Ela não se importava com os pães e a canela. Mas além do prazer em me acordar, ainda tinha o prazer em me ver caminhar arduamente os cinqüenta metros intermináveis da minha casa à vendinha da dona benta.
Desci para tomar café da manhã. O Bobe (já devo ter nomeado algum outro cachorro de alguma outra crônica assim. Abstraiam. Ser repetitiva é uma característica) ao me ver já começou a abanar aquele rabo. Ô bicho interesseiro. É evidente que minha mãe fez aquela meleca com ovos mais uma vez para eu comer. É evidente também, que mais uma vez a meleca foi parar sem querer no prato do Bóbe. Aquele bicho interesseiro.
Eu enrolei minha mãe quanto aos pães e à canela e quanto mais alguma coisa que ela deve ter pedido. Coitada.
Fui para a escola.
Eu não sabia se o veria hoje. Sabe aquela sensação típica que revira seu estômago e faz você sentir que borboletas estão a voar lá dentro? Pois é. Alguns chamam de ansiedade, outros de dor de barriga, e ainda há um terceiro grupo – no qual a minha mãe não só está inclusa, como o deve ter fundado – que tem a mania de dizer que isso é frescura para faltar à aula. De fato foi, por vezes. O que não vem ao caso e nem diminui minha implicância em reclamar das manias estranhas das mães. Eu já falei sobre isso?
Eu sempre preferi acreditar que são borboletas atrevidas. Costumam aparecer em momentos que esperamos há séculos, estes, espremidos nos 10 segundos daquele "bom dia", ou até mesmo daquele "alô", que quase sempre nos faz desligar o telefone.
Enfim, eu estava ansiosa, ou com dor de barriga, chamem de qualquer coisa. O fato é que eu não estava a fingir para faltar à aula. Eu o veria naquela tarde. Era a coisa mais importante.
Hora do intervalo, correria, gritaria, etc. Eu estava tensa. Ele estava tão perto. As borboletas pareciam voar com muito mais intensidade. Ele estava vindo em minha direção e...
-Oi, Bárbara. Tudo bem?
Não saiu nada, as borboletas me atrapalharam e eu sai correndo para o banheiro.
Dor de barriga, borboletas ou o quê?
O banheiro serviu para esconder qualquer lágrima que ameaçou cair e eu voltei para casa pensando.
Eu nem conseguiria olhar para o Rafael novamente. Nem liguei para o Bobe interesseiro quando cheguei em casa. Ele certamente aguardava sua cota diária do meu jantar. Outra meleca que envolvia qualquer coisa com ovos.
À noite nunca fazia silêncio - zona norte, Rio de Janeiro, já sabem o resto -, mas naquela noite fez. Todas as coisas do universo conspiravam a favor da minha melancolia. Eu estraguei tudo, mas adormeci sem dificuldades. Quis aproveitar o silêncio. Naquela noite ele tinha um gosto especial, sem tempero de balas e as borboletas me esqueceram durante esses minutos eternos.
As coisas continuaram iguais. O Bobe interesseiro, o despertador ambulante denominado “Dona Marta”, e as borboletas que continuam a voar aqui dentro e ainda me servem de desculpa para deixar a escola para outro dia mais alegre.
quarta-feira, 17 de outubro de 2007
Lígia
Lígia sempre fora daquele mesmo jeito. Usava roupas estranhas, não cuidava do cabelo e não se maquiava.
E naquele dia, a vizinha do 560 advertiu: - Lígia, Lígia, você não arruma marido com esses sapatos, minha filha...
Ela saiu de casa, trancou a porta com duas voltas de chave e passou o cadeado. Tenho para mim que essa atitude demonstra insegurança e instabilidade emocional, o que pouco tem a ver com a pauta de agora.
Chega à escola. Lígia era professora. O que mais podia ser com aqueles sapatos horrendos?
- Bom dia, classe. Espero que todos tenham feito o dever que deixei no quadro, na aula de quinta-feira.
E a aula vai acontecendo.
- Maria, formule uma frase utilizando o verbo “queimar”.
Maria sempre fora a engraçadinha da turma, e disse – rapidamente - como se a frase já estivesse pronta em seu pensamento: - A minha professora tem sapatos tão bonitos, que eu até os...
- TRIIIIIIIIIIM. Toca o sinal. Acabou a aula.
Foi no caminho de casa que Lígia conheceu João.
Lígia entrou cheia de pressa no metrô. Eu acho válido registrar que Lígia morava no Rio de Janeiro. Conclua daí, que ela estava em pé, esmagada no trem e com medo de ser assaltada. Isso não é dos cenários mais românticos. Mas enfim.
- Oi, você quer se sentar? – João cedera gentilmente o lugar para Ligia. Eu acho isso romântico. Ele podia estar chamando-a de idosa, noutro ponto de vista. Mas o importante é que Lígia aceitou, e no momento que sentou começou a preparar uma pergunta cretina, dessas que se fazem no metrô – especificamente, do Rio de Janeiro.
João estava parado em frente a ela. Eu arriscaria dizer que ele também planejava uma pergunta do mesmo nível.
Lígia foi mais rápida.
- você é da zona sul?
- sim, sou sim. E você?
- sou também!
- como é seu nome?
- Lígia. O seu é...
- João. Prazer.
Os dois deram rumo à prosa. Falaram sobre literatura, política, cinema...
- Belos sapatos. - diz João, interrompendo as reflexões de Lígia.
Lígia sentiu vergonha. Era a primeira vez que olhara alguém nos olhos, desde que prometera a si mesma não mais acreditar nas mentiras de amor que tantas e tantas vezes imaginou antes de dormir. As maçãs de seu rosto coraram quase que instantaneamente, e não saiu nada além de um tímido ‘obrigada’.
João a acompanhou até a porta de casa. Despediram-se, e só.
Os dias passaram. Lígia continuou a ouvir os gracejos de Maria na escola e continuou a pegar o metrô lotado e comum.
Adentrava ao prédio, quando aquela do 560 gritou: - Líííígia, um moço veio aqui lhe procurar.
- A mim? Como era seu nome?
- Ah, isso eu não perguntei. Também pudera. Não é possível que tenha dois amigos com sapatos tão feios quanto aqueles.
Lígia sabia quem era.
Naquele fim de noite, ela rompeu a promessa que fizera e adormeceu inventando mais algumas mentiras de amor.
E naquele dia, a vizinha do 560 advertiu: - Lígia, Lígia, você não arruma marido com esses sapatos, minha filha...
Ela saiu de casa, trancou a porta com duas voltas de chave e passou o cadeado. Tenho para mim que essa atitude demonstra insegurança e instabilidade emocional, o que pouco tem a ver com a pauta de agora.
Chega à escola. Lígia era professora. O que mais podia ser com aqueles sapatos horrendos?
- Bom dia, classe. Espero que todos tenham feito o dever que deixei no quadro, na aula de quinta-feira.
E a aula vai acontecendo.
- Maria, formule uma frase utilizando o verbo “queimar”.
Maria sempre fora a engraçadinha da turma, e disse – rapidamente - como se a frase já estivesse pronta em seu pensamento: - A minha professora tem sapatos tão bonitos, que eu até os...
- TRIIIIIIIIIIM. Toca o sinal. Acabou a aula.
Foi no caminho de casa que Lígia conheceu João.
Lígia entrou cheia de pressa no metrô. Eu acho válido registrar que Lígia morava no Rio de Janeiro. Conclua daí, que ela estava em pé, esmagada no trem e com medo de ser assaltada. Isso não é dos cenários mais românticos. Mas enfim.
- Oi, você quer se sentar? – João cedera gentilmente o lugar para Ligia. Eu acho isso romântico. Ele podia estar chamando-a de idosa, noutro ponto de vista. Mas o importante é que Lígia aceitou, e no momento que sentou começou a preparar uma pergunta cretina, dessas que se fazem no metrô – especificamente, do Rio de Janeiro.
João estava parado em frente a ela. Eu arriscaria dizer que ele também planejava uma pergunta do mesmo nível.
Lígia foi mais rápida.
- você é da zona sul?
- sim, sou sim. E você?
- sou também!
- como é seu nome?
- Lígia. O seu é...
- João. Prazer.
Os dois deram rumo à prosa. Falaram sobre literatura, política, cinema...
- Belos sapatos. - diz João, interrompendo as reflexões de Lígia.
Lígia sentiu vergonha. Era a primeira vez que olhara alguém nos olhos, desde que prometera a si mesma não mais acreditar nas mentiras de amor que tantas e tantas vezes imaginou antes de dormir. As maçãs de seu rosto coraram quase que instantaneamente, e não saiu nada além de um tímido ‘obrigada’.
João a acompanhou até a porta de casa. Despediram-se, e só.
Os dias passaram. Lígia continuou a ouvir os gracejos de Maria na escola e continuou a pegar o metrô lotado e comum.
Adentrava ao prédio, quando aquela do 560 gritou: - Líííígia, um moço veio aqui lhe procurar.
- A mim? Como era seu nome?
- Ah, isso eu não perguntei. Também pudera. Não é possível que tenha dois amigos com sapatos tão feios quanto aqueles.
Lígia sabia quem era.
Naquele fim de noite, ela rompeu a promessa que fizera e adormeceu inventando mais algumas mentiras de amor.
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